(Re)Escrevendo Destinos

03/05/2012 22:25

Maria das Graças Targino*

Adriana Maria Magalhães**

 

 “Acho que tenho sua cor”. A frase extraída de um diálogo entre as personagens Sindy e Eva Benitez, interpretadas, respectivamente, pelas atrizes Jacklyn Ngan e April L. Hernandez sedimenta no filme “Os escritores da liberdade” o fim de uma rivalidade iniciada por seus antepassados. A luta entre negros, asiáticos, brancos e hispânicos por território e poder em Long Beach (Califórnia, Estados Unidos) é o pano de fundo do longa-metragem lançado pela Paramount Pictures, 2007, com o título Freedom writers. Baseado no best-seller The freedom writers diaries”, retrata a realidade vivida pela jovem e inexperiente professora Erin Gruwell (Hilary Swank), em 1994, na sala 203 da Escola Wilson.

Além da violência racial e insubordinação em sala de aula (o que se dá em  qualquer nação e em diferentes níveis), a história destaca grave problema contemporâneo: a intolerância, cujo representante máximo é o bullying. Trata-se de termo frequente na mídia brasileira (ou não), que designa diferentes formas de provocação, intimidação, agressão verbal e até física, que acontecem no contexto escolar. Alunos, em geral, mais fortes, mais velhos ou mais poderosos. acossam os mais frágeis, mais jovens ou com menos projeção. É a luta insana do forte contra o fraco!

Intransigência constitui um mal não restrito a um povo, a uma condição social ou crença. Está por toda parte. Dissemina-se com rapidez e conquista status de normalidade. Por que num mundo globalizado, o diferente é combatido com ferocidade? Por que diferenças, como credo, raça, idade, orientação política e orientação sexual despertam furor? O que justifica o comportamento hostil ante quem diverge de nossas opiniões?

A intolerância gerou e continua gerando desde pequenas discussões cotidianas até conflitos de proporção mundial. É certo que, com a globalização, perdemos a noção de tempo e espaço, e experimentamos a queda das fronteiras físicas. Talvez em demasia, haja vista a tendência de teóricos, à semelhança de Manuel Castells e de Roland Robertson, que adotam o termo glocalização (neologismo resultante da fusão dos termos globalização + localização) para nomear a presença da dimensão local na cultura global, o que corresponde à interação entre global e local. Acrescentamos que, ao longo das décadas, continuamos cultivando conflitos por territórios, riquezas e, sobretudo, poder.

Diante do óbvio ululante – a intolerância não é um agente biológico transmissível que uma vez em contato com o ar a todos infecta – lembramos que ela nasce no seio das famílias e persiste vida afora. Estamos sempre a “cutucar”: – Fulano é bagunceiro. – Sicrano é organizado demais. – Beltrano é metódico. Seguimos qualificando, ou melhor, desqualificando uns aos outros. Mas, por quê? Talvez pela necessidade (consciente ou não) de se sentir importante ou superior.

A linha da boa convivência é tênue, imperceptível e sinuosa. Molda-se a cada realidade, a cada indivíduo ou a cada circunstância. Uma propaganda em voga afirma: “ser diferente é normal”. A normalidade não pode ser expressa com clareza. O que é ser normal, afinal? Normal é ter cabelos escuros ou claros? É casar-se e ter filhos ou investir prioritariamente numa carreira profissional? Normal é ser flamenguista ou vascaíno? Católico ou evangélico? Normal é, ao final da tarde, apreciar chimarrão ou deliciar-se com café preto e beiju?

A normalidade não existe ou não pode ser expressa por traços superficiais e antagônicos. Aspecto físico, DNA de brancos, negros, asiáticos, pobres, ricos, letrados ou não, e a cultura passada geração a geração não são indicativos de normalidade. Condenar, subjugar e exterminar o diferente, no sentido de que destoa de nosso padrão, não é solução. Tratar com reverência ou acatamento o outro é a única saída aceitável. Esta é a grande lição de “Os escritores da liberdade”. Esta foi a descoberta que levou o grupo da sala 203 da Escola Wilson a se respeitar mutuamente. Cada um dos alunos carregando sua própria história de vida, repleta de sofrimentos. A sábia professora, carregando consigo o fracasso de um casamento e a opressão silenciosa do pai. Mesmo assim, capaz de desvendar nos jovens a dor disfarçada em agressividade.

De qualquer forma, o filme / o livro em pauta, ao discorrer sobre um fato real, mostra como ainda é possível uma educação pautada no acatamento às diferenças. É viável romper o ciclo de violência e de intolerância. Só assim, os jovens, até então marginalizados, foram capazes de reescrever seus destinos, de reconhecer e de aceitar que o futuro nasce no aqui, no agora...

 

 

 

* Pós-Doutora em Jornalismo e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Piauí e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba.

 

** Jornalista e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) / Universidade Federal do Piauí

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