O Limiar das Relações Sociais em Plena Era das Tecnologias

12/04/2012 22:26

Maria das Graças Targino*

Washington José de Sousa Moura Filho**

 

A velocidade do fluxo de informações impede que vivenciemos de maneira viva e vívida as relações interpessoais, seja com pessoas mais próximas – como nossos familiares – seja com aqueles indivíduos, cuja convivência é temporária e menos intensa, como por exemplo, colegas de trabalho ou companheiros de jornada universitária. Aos poucos, perdemos a noção de como é gostoso estar cara a cara com os demais... O surgimento e a efervescência das tecnologias de informação e de comunicação catalisam a superficialidade das relações e se tornam tão inerentes ao nosso cotidiano que nem sequer percebemos sua intromissão e, se isso ocorre, vemos essa ingerência como algo “normal” e inevitável. Afinal, eis uma das marcas da sociedade contemporânea...

Não temos tempo para dialogar em família. Estamos nos referindo ao diálogo na acepção de momentos únicos, quando, cada um de nós, diante do mundo, percebe a importância de ouvir para poder falar, tal como o comunicólogo Clóvis de Barros Filho costuma reiterar em suas falas. Tudo é muito rápido. Tudo dura pouco. Tudo é breve, passageiro, transitório, efêmero e veloz. Parece que a comunicação não precisa mais acontecer de forma presencial. A virtualidade por meio de sua representante mor (a Grande Rede) estreita (mas não consolida) laços sociais; encurta distâncias geográficas; e rompe barreiras temporais.

Na comodidade de nossos lares, interagimos com quantas pessoas nos “dá na telha”, independentemente do vínculo que mantemos com elas. Criamos no ciberespaço um ambiente interativo de modo a suprir o tempo que “perderíamos” se optássemos por uma saída com os amigos, colegas e / ou companheiros de infância, adolescência ou de toda a vida. A impressão é de perda de tempo se fizermos isso. E ainda há as condições dos riscos que cercam cada saída, diante da insegurança pública crescente, em termos de Brasil...

É sobre tudo isto que Mário Sérgio Cortella, filósofo, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, paranaense de Londrina e discípulo de Paulo Freire, discorre. Autor de livro bastante conhecido, “Qual é a tua obra?”, ano 2008, Editora Vozes, em que questiona gestão, liderança, ética, e, sobretudo, o comportamento do indivíduo frente aos demais, o autor surpreende com um texto provocante desde o título – “É preciso rejeitar a despamonhalização da vida”. E ainda mais inesperado: o escrito está publicado num almanaque de cultura popular, distribuído por uma empresa aérea brasileira, em janeiro último. Isto porque, não é frequente encontrar nesse tipo de meio de comunicação – mas não impossível – texto tão instigante como ponto de partida para reflexão sobre itens essenciais ao viver.

Mário S. Cortella mescla figuras clássicas da Filosofia grega, como Heráclito de Éfeso ("pai da dialética"), Parmênides de Eleia e Platão, com a polêmica Lady Gaga e o livro infantil “Alice no país das maravilhas”, que se eterniza no imaginário coletivo por suas “sacadas geniais”. Macarrão instantâneo e batatas fritas também marcam presença em seu texto. Há de tudo ou quase tudo. E há um único intuito: contestar a miojização da vida e lembrar a relevância do pensamento reflexivo ante o avanço tecnológico. Com leve ironia e bastante sabedoria, chama a atenção para o fato de que, na atualidade, refletimos muito pouco. Deixamos de lado uma filosofia que estimule a criatividade e a criticidade, e, por conseguinte, apta a nos permitir um olhar menos superficial sobre a realidade. É como se optássemos por uma vida miojo:

 

O namoro miojo, o sexo miojo, a pesquisa miojo (grifo nosso). [...] Um jovem imagina que para fazer uma pesquisa ele dá uma “googleada” e pronto. Não. A internet é um poderoso meio de começo de pesquisa, não de término. A ideia do “ficar”, comum entre os jovens, representa [...] a miojização das relações. Há também casamentos miojo. Relação de casamento e também de vida. E até relação religiosa miojizada – o sujeito vai apenas à missa das 10 no domingo, porque é mais curtinha (CORTELLA, 2012, p. 13).

 

Nos dias de hoje, parece mais atrativo um namoro sem qualquer vínculo entre os envolvidos, a não ser atração física impulsiva ou paixão passageira. O encanto de o rapaz cortejar a moça ou vice-versa (acrescido às variações das relações homoafetivas), do flerte na praça e do bate-papo no cinema perdem, cada vez mais, força e intensidade. Sexo rápido resolve. Com tudo isso, a noção de socialização se enfraquece. Tempo e espaço ganham novo significado dentro da perspectiva do instantâneo, pois podem ser direcionados à virtualidade como recurso (quase único) de fortalecer vínculos.

A relação dialógica entre pais e filhos também é problematizada por Cortella. Alguns pais não cansam de presentear os filhos com iphones, ipads, ipods... Mas o principal, o olho no olho e a convivência ocupam segundo plano. Eles não têm mais tempo para as crianças ou adolescentes, mal os veem durante o dia, no almoço ou no jantar. Temas como namoro, sexo, drogas e estudos são deixados de lado. Falta tempo a pais e filhos.

 Assim, restam-nos alguns questionamentos: de que maneira lidar com a efemeridade das relações? Como podemos associar a contribuição das recentes tecnologias da informação às relações sociais sem perder a noção de vínculo, de contato (físico) com o outro? Como lidar com a miojização das relações em contraposição à importância da essência, da experiência e da vivência em âmbito familiar e de trabalho? O que é melhor? Algo passageiro ou duradouro? São perguntas sem respostas unívocas. Cada um deve buscar em suas próprias vivências as réplicas mais condizentes, sem olvidar, no entanto, que, como “Alice no país das maravilhas” precisamos saber para onde ir. “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”, como diz o gato a Alice, no momento em que a menina sonhadora se sente perdida. E mais, é essencial compreender que a miojização das relações ou a miojização do mundo corresponde à despamonhalização da vida, que é preciso rejeitar com vigor, como Cortella (2012, p. 13) enfatiza:

 

Nós paramos de fazer pamonha e passamos a comprá-la pronta em nome de algo que é prático. Nem sempre o prático é o certo. Muitas vezes o prático é só o prático. É mais prático furtar do que trabalhar, colar do que estudar, copiar do que ter que pesquisar. Em nome do prático, começamos a utilizar como critério tudo aquilo que é imediato. E paramos de fazer pamonhas. Quando se fazia pamonha, passávamos o dia inteiro juntos. Os homens saíam de manhã, iam buscar milho na roça, arrancavam a palha. As crianças tiravam o cabelinho que ficava no meio. As mulheres tinham o trabalho mais complicado, que era ralar o milho e costurar um saquinho de palha. Fazíamos isso das sete da manhã até as quatro da tarde, que era quando comíamos a pamonha. A finalidade de fazer pamonha não era comer pamonha, era ficar junto o dia todo. Crianças e jovens aprendiam que para que uma pamonha aparecesse era preciso tempo, trabalho, convivência, divisão de tarefas.

 

 

FONTES:

 

CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. 2. ed. São Paulo: [s. n.], 2000. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2012.

 

CORTELLA, Mário Sérgio. É preciso rejeitar a despamonhalização da vida. Brasil. Almanaque de Cultura Popular, São Paulo, n. 153, p. 12-14, jan. 2012.

 

CORTELLA, Mário Sérgio. Qual é a tua obra? Petrópolis: Vozes, 2008.

 

 

* Pós-Doutora em Jornalismo e Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Piauí e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba

 

** Jornalista e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade Federal do Piauí

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