Museus em evolução

13/02/2011 17:40

Maria das Graças Targino*

 

Tal como se dá com a concepção da biblioteca como instituição social, que passa a ser vista, mais e mais, como órgão dinâmico, vivo e interativo, há muito tempo, a idéia de museu como algo estático deixou de existir para muitos e em muitos locais mundo afora. No Brasil e em outros países, a exemplo da Espanha, é possível encontrar museus que desafiam o conformismo e se impõem como majestosos locais de aprendizado lúdico, de formação cultural e intelectual e, sobretudo, de espaço ao exercício de cidadania.

Não faz muitos anos, discorri, por exemplo, sobre a grandiosidade do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA), cujo acervo diversificado e inusitado, comprova palavras atribuídas a Bertold Brecht, segundo as quais a arte não é espelho para refletir a realidade, mas tão-somente um instrumento para lhe dar forma. Obras de arte “tradicionais” se misturam com cadeiras ou camas emaranhadas e suspensas do teto, com colchões e mantas pendentes; aparelhos de TV mostram imagens repetidas e repetitivas de pés desnudos e disformes; aparelhos telefônicos estão à disposição dos visitantes para que escutem vozes longínquas e assim sucessivamente.

De forma similar, visitar Bilbao, capital da província de Biscaia (Vizcaya, em espanhol), no País Vasco, vai além de contemplar uma região histórico-cultural, situada no extremo norte da Espanha e no extremo sudoeste da França, que se fez conhecida desde o final do século XIX, graças à forte tendência separatista, que impõe, inclusive, uma língua própria – euskara (ou euskera). O movimento atingiu o ápice, com a criação e expansão do grupo ETA, em 1959, considerado como organização terrorista por seus atos de crueldade ao longo do tempo.

No entanto, hoje, Bilbao se faz presente no imaginário das pessoas, também, graças à grandiosidade de seu Museu Guggenheim. Trata-se de um dos cinco museus pertencentes à renomada Fundação Solomon R. Guggenheim. O primeiro, Museu Solomon R. Guggenheim, está em Nova Iorque. Osoutros três são o Guggenheim Hermitage Museum (Las Vegas, também nos Estados Unidos), oDeutsche Guggenheim (Berlim, Alemanha) e a Coleção Peggy Guggenheim, em Veneza, Itália. Tal como o MACBA, o Museu Guggenheim Bilbao (MGB) é indescritível. Não adianta ouvir falar. Não adianta visita virtual. É preciso ver para crer. Quando muito, o que podemos conseguir é alardear sua imponência (desde as instalações suntuosas) e, sobretudo, seu nível de modernidade.

Na atualidade, quando falamos de espaço cibernético (bibliotecas virtuais ou museus contemporâneos e efetivamente modernos), tratamos, inevitavelmente, de seus maiores atributos: interatividade, hipertextualidade, possibilidade de convergência dos meios, e incessante busca para suprir as demandas dos cidadãos, de forma individualizada. De fato, o MGB favorece tudo isto. A interatividade, no momento em que permite ao visitante acionar vozes diante de algumas peças de arte e participar ativamente da vida do Museu, indo além da apresentação de opiniões e sugestões. A hipertextualidade, no momento em que cada um pode seguir caminhos bastante diferenciados, haja vista que inexiste linearidade na forma como está estruturado e, sobretudo, na forma como posiciona suas coleções. A convergência dos meios se dá mediante a conjunção de imagens, sons e textos.

A chance de atender demandas individualizadas é uma realidade: o MGB mantém uma amplitude de opções inarrável. Há atividades que contemplam, especificamente, o público familiar, as crianças e os jovens, os “Amigos do Museu” e, em especial, os educadores, para quem estão disponíveis materiais didáticos, sessões de orientação e até o WikiDocentes, ferramenta para que os professores compartilhem com os demais suas experiências sobre arte e educação artística. No endereço eletrônico https://www.guggenheim-bilbao.es/wikidocentes/index.php/Portada, “de cara”, está a assertiva: “O Wiki de docentes é o lugar perfeito para ensinar aprendendo. Partilhe sua experiência como docente e enriqueça seus conhecimentos com as contribuições de seus companheiros de profissão”.

Além da oportunidade de atuar como voluntário no âmbito do Museu, para o público em geral, há de tudo ou quase tudo: oficinas de incentivo ao processo criativo, conferências e palestras, festivais de cinema, concertos musicais, exposições temporárias e permanentes, com o adendo de que é possível ao MGB compartir seus acervos com as outras coleções Guggenheim, o que, ao longo de 13 anos de criação, lhe assegura apresentar visões diferenciadas da arte dos séculos XX e XXI. Por exemplo, ao lado da exposição A idade de ouro, com obras da pintura holandesa e flamenga do Städel Museum, o público pode se “assombrar” com a magnitude de sete gigantescas esculturas de Richard Serra, sob a denominação A matéria do tempo.

Ao explorar a dimensão física do espaço, Serra nos permite “caminhar” dentro das próprias esculturas, explorar seu interior e atravessá-las de ponta a ponta para descobrir múltiplas perspectivas. No interior do MGB, fotos são proibidas, mas, se permitidas, nos dariam tão-somente mera ideia...

Exposição de fotos sem legendas apenas insinuam as cicatrizes dos maus-tratos sofridos por crianças, as quais perduram por toda a vida. Em outra sala, desta vez, macabramente iluminada, há uma quantidade incrível de mais fotos. Todas em preto e branco. Todas, em molduras negras. Não há legenda. O audioguia explica tratar-se de seleção de necrológios extraídos de distintos jornais e de distintos países. As pessoas falecidas são de qualquer faixa etária, qualquer cor, qualquer nacionalidade. São bonitas ou feias. São magras ou gordas. São ternas ou de feições endurecidas. São pessoas comuns e sem quaisquer resquícios de notoriedade. Talvez, a intenção seja mostrar a diversidade do ser humano, ou, quem sabe, a fragilidade da própria vida.

De fato, o MGB desmistifica os conceitos rígidos de artes plásticas. É a fusão do concretismo, do abstracionismo, da arte cibernética, da arte cinética, da arte conceitual e / ou da arte de vanguarda. É o museu como instituição que não somente conserva, mas estuda e valoriza a produção diversificada de quem é capaz de criar, seja lá o que for, num mundo de tantas multiplicidades culturais como o nosso... Por tudo isto, mais uma vez, reiteramos: visitar alguns museus contemporâneos confirma o pensamento de Bertold Brecht, em novas frases a ele atribuídas, como: “Se a gente deseja ver somente as coisas a que pode entender, não deveria ir ao teatro [ou ao museu, acrescentamos nós]: deveria ir a seu próprio banheiro”. E mais, quando, ele diz: “todas as artes constroem a maior de todas elas: a arte da vida”.

 

*Maria das Graças TARGINO

Jornalista, Profa. Doutora em Ciência da Informação

Pós-Doutora em Jornalismo 

E-mail: gracatargino@hotmail.com

 

Publicação autorizada pela autora

TARGINO, M. das G. Museus em evolução. Disponível em: <https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=581>. Acesso em: 13 fev. 2011. (Coluna Além das Bibliotecas)

 

 

 

 

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