Magia e descoberta da leitura

20/07/2016 11:01

Maria das Graças Targino*

 

“Olá, Graça! Quais livros da literatura nacional ou internacional que você gostou? Tenho tentado ler alguns, mas perco o interesse”. Como responder a uma questão como esta? Seu conteúdo é instigador, porque não possui resposta única e satisfatória! Seu conteúdo é preocupante, sobretudo porque advém de alguém ligado diretamente ao universo da informação. Mas quem garante que bibliotecários ou jornalistas amam necessariamente a literatura? Onde está a obrigatoriedade? E há sempre a chance de descoberta! Descoberta, sim, e nunca tardia!

Por isso, não sei o que contestar. Cada um de nós desenvolve apreço por determinadas categorias de gêneros literários. Estes, em linhas gerais, são nomeados como gêneros épico, lírico e dramático, com o reforço de que tal classificação constitui, sempre, tema polêmico. Afinal, os gêneros nada mais são do que um conjunto de traços característicos, mas instáveis, que marcam a obra dos escritores. A prova mais evidente é que, dificilmente, um mesmo autor se prende a vida inteira a um só tipo de texto. Com esta ressalva, acrescento que cada um dos gêneros incorpora diferentes modalidades. Sem descer a detalhes, no gênero épico, destaque para fábula, epopeia, novela, conto, crônica, ensaio e romance. O gênero lírico, impregnado pela função poética da linguagem, incorpora elegia, ode, écloga (poesia pastoril ou bucólica) e soneto. Pertencem ao gênero dramático auto, comédia, tragédia, tragicomédia e farsa.

Assim, mesmo que de forma superficial, vemos que as escolhas são muitas e abrangentes. Há quem seja poeta por vocação e devaneio, e privilegie a musicalidade das palavras. Por exemplo, penso ter lido tudo ou quase tudo dos brasileiros Augusto dos Anjos (influência de meu pai) e Adélia Prado, e, ainda, do português Fernando Pessoa. As crônicas me encantam pela chance que oferecem de redação livre e abordagem sobre temas da atualidade de teor variado e / ou concernentes à vida cotidiana. A enciclopédia online Wikipédia, em seu verbete – cronistas do Brasil – arrola 95 nomes, dentre os quais, estão: Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, José de Alencar, José Lins do Rego, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Martha Medeiros, Nelson Rodrigues, Olavo Bilac, Rubem Alves, Rubem Braga, e assim quase indefinidamente... Como deixar de lado a produção desses nomes?

Em relação aos romances, na adolescência, Jorge Amado foi meu autor predileto, por sua brasilidade, irreverência e sensualismo. O colombiano Gabriel García Márquez nos deixou herança irrecusável. Alguns de seus livros, como “O amor nos tempos da cólera” e “Cem anos de solidão” representam um marco na minha vida. Descobri Isabel Allende, escritora chilena, nos anos 2011 / 2012, quando vivia na Espanha: não li sua obra. Literalmente, devorei seus romances, a exemplo de “A casa dos espíritos”, além de contos e livros de memórias, como “Paula”, homenagem à filha morta precocemente. Prossigo respondendo ao meu interlocutor: a obra do peruano Mario Vargas Llosa merece ser garimpada... E o que dizer da beleza dos textos da francesa Marguerite Duras? Amo seu “O amante”, verdadeira obra-prima!  Livro e filme suscitam, até hoje, polêmicas por seu conteúdo visivelmente autobiográfico e provocador. Aliás, a própria vida de Duras, segundo seus biógrafos, foi sempre anticonvencional. Desde a adolescência até a velhice e morte, aos 82 anos, ela foi identificada como uma mulher amante do amor, fascinada pela prostituição, alheia ao sentimento da maternidade, adepta do álcool e extremamente solitária desde sempre.

E mais, nos dias de hoje, a mídia traz à tona os chamados best-sellers, em sua maioria, de autores de outras nacionalidades. Eis que descubro maravilhas. “A massai branca”, da suíça Corinne Hofmann, é uma das biografias mais envolventes que li. O mesmo encantamento se aplica a um dos títulos do médico afegão, naturalizado norte-americano, Khaled Hosseini, “O caçador de pipas”, que narra a tocante história de amizade entre dois meninos quase da mesma idade, donos de vidas bem diferentes no Afeganistão dos anos 70. A história real de Malala Yousafvai, “Eu sou Malala”, escrita pela menina paquistanesa em parceria com a jornalista britânica Christina Lamb, precisa ser lida. Aliás, Malala é a mais jovem laureada com o prêmio Nobel da Paz, 2014.

“Fragmentos de um discurso amoroso” do reconhecido intelectual grego Roland Barthes – apesar de muita gente o nomear como francês – está categorizado como obra literária. As resenhas sobre o título repetem quase o mesmo refrão. Todas transcrevem literalmente (ou não) palavras do escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo. Em tom de desafio, o que por si só já incita a leitura, ele inicia assim a obra:

 

A necessidade deste livro se apoia na seguinte consideração: o discurso amoroso é hoje em dia de uma extrema solidão. Este discurso talvez seja falado por milhares de pessoas (quem sabe?), mas não é sustentado por ninguém; foi completamente abandonado pelas linguagens circunvizinhas: ou ignorado, ironizado por elas, excluído não somente do poder, mas também de seus mecanismos (ciências, conhecimentos, artes) [...]” (BARTHES, 2003, p. 11, grifos nossos).

 

Indo além, “Para sempre Alice”, primeiro título da norte-americana Lisa Genova, escrito em 2007, e transformado recentemente em filme com título homônimo, permite um “grato susto.” Trata de um tema que aflige cerca 35,6 milhões de pessoas no mundo, vítimas da Doença de Alzheimer. Apesar de ser uma história fictícia, por sua formação em neurociência, a autora conduz à reflexão incondicional sobre o assunto.

Por fim, como não consigo responder ao “meu menino”, lhe repasso texto que não é meu. Pertence a Fernanda Pompeu, “A hora do deleite”, quando ela diz:

 

Por que ser um leitor? Se for de poesia, para enxergar estrelas ao meio-dia. Se for de prosa, para visitar a experiência dos outros. De biografias, para conhecer fatos e fotos. De autoajuda, para ter um empurrãozinho. De notícias, para ter assuntos. De crônicas, para ouvir um lero ao pé do ouvido.

 

Aquilo que se lê importa muito pouco. O que interessa é a leitura. Conheço gente que só lê ciências sociais, outros que se amarram em histórias fantásticas. Existem até aqueles que passam a vida lendo a Bíblia, decorando salmos e parábolas. Ou os que são leitores de culinária – seja afegã, colombiana, francesa.

 

Tem leitor que adora o cheirinho dos livros e as cócegas das páginas nos seus dedos. Outra legião carrega sua biblioteca no Kindle e congêneres. Existe o cara que só lê deitado, a moça que só lê sentada. Há leitores de beira de piscina, de areia de praia, de barra de bar. Sem esquecer dos que leem debaixo de mangueiras, abacateiros, marquises de ônibus.

 

O Edi – que tira um excelente café expresso atrás do balcão da padaria Pioneira, na Vila Madalena, Sampa – é um leitor de trem. Ele aproveita o trajeto Lapa-Franco da Rocha para nadar e se refrescar com as letrinhas. Uma manhã, ele me descreveu sua prática diária de leitura sobre trilhos como a hora do deleite.

 

Pergunte para leitores por que eles leem? As respostas serão variadas: para aprender, para se atualizar, para matar o tempo, para ficar mais sabido. Alguns serão diretos: Leio por vício. Talvez seja um dos poucos vícios que não faz mal à saúde, não dá cadeia, não incomoda terceiros.

 

Mas atrás de qualquer resposta existe a principal: pessoas leem por prazer. Pela delícia de sair do calor de Pirituba para o frio da Sibéria. Pelo encanto de ser uma senhora de 70 anos e virar cúmplice, em 100 páginas, de uma jovem de 24. Pela emoção de acompanhar o último dia do suicida Getúlio Vargas. Pela paixão de mergulhar no coração das palavras. E também por deixar as palavras devorarem nosso coração.

 

Então vai a dica para quem faz o nobre trabalho de incentivar novos leitores. Não minta para eles dizendo que ler irá ajudá-los a “subir” na vida, a ganhar dinheiro. Há atalhos mais curtos para o mercado. Diga a verdade: ser leitor será conquista e apropriação de um prazer que não conhece fim.

 

Fontes:

 

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo: Martins Ed., 2003.

 

POMPEU, Fernanda. A hora do deleite. Disponível em: <https://obemviver.blog.br/2014/12/16/a-hora-do-deleite-um-texto-genial-sobre-o-habito-da-leitura/comment-page-1>. Acesso em: 17 jul. 2016.

 

 

* Maria das Graças Targino é professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba.

—————

Voltar